A
comentada Bacabal já ditava fama pelas freguesias de perto e de longe, seduzindo
gente das mais diversos confins, sobretudo do Ceará, Piauí e da Paraíba. Eram
famílias inteiras de retirantes, fugidas da seca, que para cá vinham atraídas
pelas terras férteis e aconchegantes do Vale do Mearim. Aqui eram recebidas,
iam ficando e fazendo vida.
—Vão tombém pro Bacabal do Mearim? O
povo diz que lá é terra muito boa de fazer vida. – comentava um chefe de
família com outro ao se toparem na lamacenta estrada da Caxuxa.
Estivadores de usinas de beneficiamento de arroz |
No
outro dia à tardinha, o relato de Pai Honório sobre as origens da cidade, continuaria
entre a ficção e a realidade. Ocorre que
Alicinha veio correndo pela areia quente do rumo do Cais da XV de Novembro,
adentrou a humilde casa de palhas na Rua da Salvação, onde morava com sua
família, e foi anunciando mais uma novidade bem prosaica da época:
— Pai, chegou mais gente. Eles tão arranchados
lá perto da Rua do Quebra Coco, dizia a menina toda ofegante e feliz a roer um
caroço de coco babaçu.
O
pai ri e abraça a filha e, retomando a tinta e o papel sobre a mesinha de pau
d’arco, volta às suas reminiscências e vai conseguindo descrever o que para ele
seria um raro tesouro para as novas gerações:
—O Mearim, como uma gigantesca serpente
mexia-se em suas águas fartas, engrossando os cardumes de branquinhas, curimatás,
traíras e mandis, os quais, como que brincantes e felizes, ficavam a saltitar e
a nadar pelo leito escuro e fundo do nosso perene rio. Em maio, com o baixar das águas, os vazanteiros
tomariam posse do limo deixado pela enchente para plantarem cereais e hortaliças.
Mistos comerciais à beira do rio Mearim em Bacabal |
Enquanto isso no cais da XV, as embarcações atracavam e seguiam rota de vez em
quando à capital São Luiz, a Arari ou então aceleravam seus motores a subir
para Ipixuna e Pedreiras. Gente grande e miúda, porcos, galinhas, comestivas,
retirantes e os próprios barqueiros lotavam as lanchas, vapores e canoas, que
ficavam a apontar e a sumir por entre as bacabeiras e as árvores ribeirinhas
que guarneciam o pontão da Bacabal de outrora. Toda a beira do rio se estendia inquieta,
desde o pontão flutuante, subindo as águas para o sul até o “Porto do Por
Enquanto”, estirão de terra onde pescadores, passageiros, arrumadores e
fidalgos do comércio e da indústria local davam ao logradouro um ar de intensa
circulação de gente, que ia e vinha com empórios diversos a transportar. Na Rua
do Trilho desciam ziguezagueando em seus rangidos longitudinais os vagões
lotados de fardos bem feitos de algodão da melhor qualidade, beneficiados que
eram pela Usina Contonière, adquirida depois pela Chames Aboud, situada no
Ramal, onde futuramente funcionaria a Antarctica e a Itapemirim.
O velho
homem, tomando um fôlego em seu texto, foi ao pote molhar a goela e continuou
em sua simpática e capciosa missão:
—Os antigos e enormes galpões industriais,
as fachadas comerciais e residenciais de grossas paredes e rodapés em relevo, dispersos
desde a ponte de concreto de 1957 até o fim do Ramal, se ainda são, hoje,
testemunhas de um ciclo econômico marcante, cogito em deixar isto escrito a que
tais cenas ao serem abandonadas pela memória, ou se perderem nas pândegas,
bares e conversas fiadas, fiquem gravadas nestas folhas, ainda que anônimas nesta
gaveta fria...
— Acorde, pai, o homem quer falar
com o senhor, disse Alicinha mostrando um senhor bem trajado.
6 comentários:
Bacabal... cidade que me adotou...Que bom ouvir tua historia.
Bacabal...cidade que me adotou...que bom "ouvir" tua historia.
Bacabal...cidade que me adotou...que bom "ouvir" tua historia.
Excelente crônica, de um rebuscamento esplêndido.
Parabéns!
Olá, José Wilker, grato pela leitura da crônica.
Silvia, ler é sempre bom. E quando a leitura inclui a gente, fica ótimo. Que deus abençoe nossa cidade - Bacabal.
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