Costa Filho, da Academia Bacabalense de Letras, cronista de O Mearim |
Cadê os trilhos dessa rua?
Era a primeira vez que D. Arcângela
voltava a Bacabal desde que partira para onde os filhos em Brasília. Agora no
assento cômodo do ônibus cogitava como havia de estar sua cidade natal. Não lhe
era pequena a ânsia de rever a terra que a vira nascer, crescer, constituir
família e num certo domingo de novembro a vira partir. Não queria sair do seu
Mearim, mas, os filhos, não tendo cá oportunidades de trabalho rumaram a um
centro mais evoluído, levando a mãe anos depois. Agora com o filho que ficara,
D. Arcângela vislumbrava a paisagem andante. Pelo vidro da janela
trespassava-lhe uma dolorida ausência do farto babaçual que outrora abarrotava
toda a extensão da estrada de rodagem. O rio Bambu fê-la recordar o movimento
dos peixeiros no mercado velho. Um gosto de cravim veio-lhe ao paladar
lembrando-lhe o troca-troca de bolos e pratos caseiros na semana santa com os
vizinhos da Rua do Maxixe e as histórias que ali ouvia e contava nas noites de
lua cheia.
Já próximo
ao antigo batalhão as nuances urbanas denunciavam que a cidade era chegada. A
idosa pôs os óculos para ver melhor a entrada da cidade, enquanto uma chuva de
interrogações jorrava sobre o filho. “Que muro grande é esse? E aquela rua? E
essa estrada no meio do mato?” “Mãe, o muro é da universidade, a UFMA. Bacabal
agora está cheio de faculdades e cursos de todo tipo. Aquela rua é uma avenida
que vai dar no Ramal e a estrada é o aeroporto.” “E aqui já tem aeroporto, meu
filho? Cadê o avião que não vejo?” “Desde 1990, mãe, mas só é usado pelos
políticos de vez em quando e nunca foi escala de vôo.” “Meu filho, esse deve
ser o posto da Polícia Rodoviária Federal. Do mesmo jeito, meu Deus... E esta
casona?” “É uma fábrica de congelados inaugurada recentemente.” “Vixe, meu
filho, que ruas são essas de terra?” “É o Parque Rui Barbosa. Veja, mãe,
fizeram mais esse posto de gasolina e um condomínio ali à frente.” “Condomínio
em Bacabal?” “Sim, mãe, com a chegada das universidades e com os concursos públicos
tem muita gente de fora ou daqui mesmo que prefere morar nos condomínios ou
residenciais. Não é lá essas coisas, mas tem muitos de pequeno porte.”
A chegada
na Cohab 3 deixou a idosa um pouco decepcionada, pois sentiu falta de um portal
de boas-vindas. Na rodoviária mãe e filho foram surpreendidos por uns mendigos
vindos da praça e do Caipirão a pedir-lhes “dois real”. “Mãe, isso aí tudo é
usuário de drogas. O número de moradores de rua aqui vem crescendo.” D.
Arcângela ergue as vistas e reparando na estrutura do terminal de ônibus,
estica o beiço e sai com o filho para o posto de táxi.
No dia
seguinte, como combinado, ambos saem pelo centro. “Quanta diferença, meu filho!
Quantas igrejas! Já contei bem uma dúzia até aqui. Olha são quatro bancos tudo
pertinho um do outro.” “veja, mãe a ponte metálica, muito útil para os
ribeirinhos da Trizidela. A praça e a Igreja matriz também estão mais bonitas.”
“Meu Deus, o Armarinho Rianil ainda existe! Com as mesmas portas! Ainda restam
alguns galpões de usinas. Mas, meu filho, cadê a casinha do Coronel Lourenço
que ficava ali no Centro paroquial? A figueira brava em frente à prefeitura? A
Casa do Fumo? Cadê a praça do Bolo? E após transporem toda a Teixeira de
Freitas: Cadê, meu filho, os trilhos dessa rua? “Vamos, mãe, há muita coisa
ainda que não tem mais.” E seguiram entre o presente e o passado, entre a
saudade e a esperança dessa cidade já grandinha.