*Membro da Academia bacabalense de Letras
Era noite na Vila Kühn. Seu Joca achou de
lavar o carro à porta de casa. Lavou. Guardou. Mas com os apetrechos de lavagem
na calçada, aproveitou para retirar uns matinhos do meio-fio e limpar o
asfalto. Um carinha franzino, sujo, feinho e supostamente drogado, morador de
perto, chega por ali com um copo na mão. Chegou encarnando popularidade:
−Tô armado não – foi
dizendo.
Pediu
“dois real”. Não tinha. Pediu um conto. Não tinha. 50 centavos, pelo menos. Não
tinha mesmo, estava liso.
Mas
o traste do feinho não desistia:
−
Pô, me dê só cinquenta. O senhor tem, eu sei.
−
Não tenho, jovem, já disse – falou seu Joca incisivo.
− Eu
lembro do Senhor no dia que me deu “dois real” lá no caipirinha. O Senhor é
legal.
−
Sim, obrigado, mas hoje estou liso, já te falei.
−
Pois me dê “25 centavo” nesse copo pra mim inteirar uma dose ali...
− O
quê? Nunca! Não faço esse tipo de negócio.
−
Então posso ficar com essa escova?
Seu
Joca fitou o olhar no feinho homem.
− Meu
amigo, por que eu te daria esta escova? E com quê eu lavo o carro, a calçada?
−
Pois pronto, eu ajudo a limpar aqui tudo e o senhor me dá “dois real” pelo serviço
– e já foi logo pegando a mangueira e a pazinha.
−
Mas que serviço, Feinho? Não vê que já terminei? – disse seu Joca, puxando o
balde mais para si.
O
carinha sentou-se, calou um pouco, balançou a cabeça, assungou as calças no
corpo esquelético e, olhando no pescoço de seu Joca, propõe:
− E
esse cordão, vamos fazer um rolo nele?
−
Este colar é bijuteria, é do meu uso e não vou fazer negócio nenhum com ele,
nem com nada.
−
Mas...
Outra
vez seu Joca se enche do maluco:
− Vem
cá, rapaz, por que tu ficas nessa vida de pedinte aborrecendo a um e a outro?
Me diz?
−
Sei não, sô, mas se me der essa mangueira, eu sumo daqui – mostrou o objeto
estirado no asfalto.
Evitando
explodir de vez, seu Joca quis resolver o dilema de modo tranquilo, afinal,
Feinho era seu vizinho e estava tomado, tinha forte inhaca de pinga e, de certo
modo, lhe mantinha a consideração como homem de bem e sabido. Disse-lhe então
que ia ver se achava algum dinheiro para que ele o deixasse em paz. E adentrou
o portão com receio, deixando apenas uma pequena fresta.
No retorno
foi dizendo que não achara dinheiro, mas nem completou a fala, já foi vendo o
carinha se peneirando para correr, enquanto da ponta da língua lhe saía a
descarada frase:
−
Pois vou levar esse balde pra mim.
E
seguiu o Feinho pelo escuro da Vila a fazer do balde e da escova seu tambor de
festa.
Ao
seu Joca restou abortar a carreira, ver o sujeito sumir no baixo escuro e
descarregar entre o ódio e a pena:
− Lalauzinho
da porra! Vai-te com isso tomar ao menos um banho!
De
resto ficou-lhe ainda uma inacreditável dúvida: será que aquele casal que
empurrava uma bicicleta já ia levando aquele mesmo balde?