* membro da Academia Bacabalense de Letras
A
comentada Bacabal já ditava fama pelas freguesias de perto e de longe, seduzindo
gente das mais diversos confins, sobretudo do Ceará, Piauí e da Paraíba. Eram
famílias inteiras de retirantes, fugidas da seca, que para cá vinham atraídas
pelas terras férteis e aconchegantes do Vale do Mearim. Aqui eram recebidas,
iam ficando e fazendo vida.
− Vão tombém pro Bacabal do
Mearim? O povo diz que lá é terra muito boa de fazer vida. – comentava um chefe
de família com outro ao se toparem na lamacenta estrada da Caxuxa.
Praça do Mercado Central nos anos 70 |
No
outro dia à tardinha, o relato de Pai Honório sobre as origens da cidade, continuaria
entre a ficção e a realidade. Ocorre que
Alicinha veio correndo pela areia quente do rumo do Cais da XV de Novembro,
adentrou a humilde casa de palhas na Rua da Salvação, onde morava com sua
família, e foi anunciando mais uma novidade bem prosaica da época:
−
Pai, chegou mais gente.
Eles tão arranchados lá perto da Rua do Quebra Coco, dizia a menina toda ofegante
e feliz a roer um caroço de coco babaçu.
O
pai ri e abraça a filha e, retomando a tinta e o papel sobre a mesinha de pau
d’arco, volta às suas reminiscências e vai conseguindo descrever o que para ele
seria um raro tesouro para as novas gerações:
O Mearim, como uma gigantesca serpente
mexia-se em suas águas fartas, engrossando os cardumes de branquinhas, curimatás,
traíras e mandis, os quais, como que brincantes e felizes, ficavam a saltitar e
a nadar pelo leito escuro e fundo do nosso perene rio. Em maio, com o baixar das águas, os vazanteiros
tomariam posse do limo deixado pela enchente para plantarem cereais e
hortaliças. Enquanto isso no cais da XV, as embarcações atracavam e seguiam
rota de vez em quando à capital São Luiz, a Arari ou então aceleravam seus
motores a subir para Ipixuna e Pedreiras. Gente grande e miúda, porcos,
galinhas, comestivas, retirantes e os próprios barqueiros lotavam as lanchas,
vapores e canoas, que ficavam a apontar e a sumir por entre as bacabeiras e as
árvores ribeirinhas que guarneciam o pontão da Bacabal de outrora. Toda a beira
do rio se estendia inquieta, desde o pontão flutuante, subindo as águas para o
sul até o “Porto do Por Enquanto”, estirão de terra onde pescadores,
passageiros, arrumadores e fidalgos do comércio e da indústria local Davam ao
logradouro um ar de intensa circulação de gente, que ia e vinha com empórios diversos
a transportar. Na Rua do trilho desciam ziguezagueando em seus rangidos longitudinais
os vagões lotados de fardos bem feitos de algodão da melhor qualidade,
beneficiados que eram pela Usina Contonière, adquirida depois pela Chames Aboud,
situada no Ramal, onde futuramente funcionaria a Antarctica e a Itapemirim.
O velho
homem, tomando um fôlego em seu texto, foi ao pote molhar a goela e continuou
em sua simpática e capciosa missão:
Os antigos e enormes galpões industriais,
as fachadas comerciais e residenciais de grossas paredes e rodapés em relevo, dispersos
desde a ponte de concreto de 1957 até o fim do Ramal, se ainda são, hoje,
testemunhas de um ciclo econômico marcante, cogito em deixar isto escrito a que
tais cenas ao serem abandonadas pela memória, ou se perderem nas pândegas,
bares e conversas fiadas, fiquem gravadas nestas folhas, ainda que anônimas nesta
gaveta fria...
−
Acorde, pai, o homem quer falar com o senhor, disse Alicinha mostrando um
senhor bem trajado.